domingo, 2 de outubro de 2011

CAMUCONGOLO

Os artilheiros preparam os obuses 8,8 cm para sessões de tiro; ao fundo à direita, a Pedra Verde.



Os militares de uma companhia de Infantaria, em acção para conquista da Pedra Verde, Camucongolo na toponímia cartográfica, pernoitam num armazém da Roça Quibaba, a cerca de pouco mais de uma légua do objectivo.


No negrume da noite, dançam os fantasmas que cada mente concebe. É no sossego aparente, necessário para o restabelecimento físico do corpo e para o relaxamento dos nervos, que surgem alguns pesadelos sobre contactos com os «turras», com gritos de desespero em sonhadas emboscadas.

Ao dealbar da manhã, os militares esfregaram os olhos, ajeitaram os bornais, mastigaram pão com marmelada, verificaram os carregadores e outros pertences, e entraram no carreiro da mata que leva à picada para o rio Dange e Nambuangongo, seguindo o itinerário rascunhado em papel vegetal, no sentido da Pedra Verde. Caminhando sob as frondosas árvores, passo a passo, encontram diversos trilhos, que ora se cruzam, ora divergem ou terminam em ligeiras veredas. São apoiados da Artilharia instalada na Roça Quibaba: seis peças 7,5 cm e dois obuses 8,8 cm, que durante a noite flagelaram, com concentrações de tiros, algumas sanzalas e zonas adjacentes à Pedra Verde.

- Não devem andar longe – disse, em surdina, um furriel, apontando ramos partidos de fresco.

Perante o emaranhado de trilhos e sem visibilidade, os militares sentem-se perdidos do itinerário. Voltam ao local onde já tinham passado. O capitão pede um tiro de artilharia sobre a Pedra Verde para se localizar no terreno. Orientados, prosseguem a marcha. Poucas falas. Apenas gestos. Irmanados num forte espírito de corpo.

Ao subirem um cerro, despido de árvores robustas, avistam um pedaço do morro Camucongolo. Uma bandeira vermelha drapeja no cume.

- Olha o descaramento dos gajos! – disse um furriel.

- É da República de Nambuangongo, que eles apregoam! – comentou um alferes, mirando pelos binóculos.


Depois de um ligeiro descanso, é reiniciada a marcha, sob os ardores do sol, que já estava alto. Os ânimos aquecem, as vontades firmes e indomáveis, como nos momentos das grandes decisões. Os rostos cerrados, nas cautelas e nas preocupações, que os indícios são certezas de que os guerrilheiros andam pelas redondezas. O silêncio apenas cortado pelo cantar de pássaros, voando de ramo em ramo, nas suas naturais liberdades. A Natureza vibrando de vida. A selva na sua grandiosidade, as plantas tocando as ramagens, enlaçadas em protecção mútua, a coarem os raios do sol. Depois, num plaino, os arbustos e os capinzais substituem a selva.


Subitamente, uma descarga de fogo atroa nos ares. Colocados instintivamente em defesa, um soldado fica de bruços sobre a espingarda. Era o transmontano Valdanta ferido por uma bala. Um tiro certeiro. Como num jogo de sorte de azar.

- Calma! Aguentar! Vamos a eles! – alguém gritou.

Quebrado o ímpeto inicial dos guerrilheiros, os soldados metropolitanos assestam as armas sobre as orlas do plaino. Disparam continuamente. Há ordem para evitar consumos desnecessários de munições. Os «turras» respondem com vigor, mas, a pouco e pouco, vão reduzindo o fogo até ficarem silenciados. Um caminho e diversos trilhos cortam o plaino. A pedido, a Artilharia faz fogo para a frente das tropas emboscadas. Como em guerras clássicas.

Há soldados que gritam e praguejam clamando vingança. Outros não conseguem evitar o nervosismo e continuam a disparar. O comandante determina uma paragem na progressão para ser evacuado o soldado Valdanta ferido.

- «Turras» dum catano! – grita um soldado patrício do Valdanta, com o rosto congestionado, chorando.

A companhia reinicia a caminhada para a Pedra Verde. Agora, numa linha de alturas, na direcção do rochedo. Para os lados, a perder-se nos horizontes, um mar de verdura. A sueste, erguem-se os morros «Lemba-Lemba», como dois descomunais seios.

- Os gajos devem ter cavado com os tiros da Artilharia, que eles têm medo do «pum cá» e «pum lá» – disse um furriel.

O sol a pino, queima. Os suores afloram. Logo evaporam com uma sensação de frescura, na sombra das árvores. Uma avioneta sobrevoa os militares, faz círculos sobre a Pedra Verde. Depois o silêncio. A Natureza adormecida, na modorra da tarde.



Dezoito de Setembro de 1961.


Data significativa da Guerra Colonial. Quebrava-se o mito da Pedra Verde.

A companhia de infantaria ocupa a base nascente do moro Camucongolo ou Pedra Verde. Os militares de uma secção iniciam, vagarosamente, a subida para o penhasco. Os declives e a vegetação complicam a acção. Chegados ao cume, retiram a bandeira vermelha, que diziam ser do movimento independentista UPA (União dos Povos de Angola) e, sem as solenidades apropriadas, sem fanfarras, nem clarins, içam, num pau, a servir de mastro, a Bandeira Nacional.

Os militares, perfilados, afogueados pelo calor, as fardas empapadas por suores e pó, com algumas lágrimas a aflorar, olham a Bandeira.

Em baixo, as armas disparam salvas.


Ao ouvir as salvas e ter conhecimento da tomada da Pedra Verde, o capitão comandante da Bateria de 7,5 mandou carregar as peças apenas com cargas, para fazer tiros de salva a comemorar o acontecimento. Carregadas e prontas as peças, mandou fogo pela direita. Seis tiros, um de cada vez. Os estampidos das explosões dos primeiros tiros apenas se ouviram nas imediações das peças.

Perante o facto, o capitão gritou:

- Parem, parem com isso, que só faz paaff… paaff… paaff…; não faz pum!

O capitão artilheiro dos obuses 8,8 cm, para mofar do camarada ou das peças 7,5 cm gritou:

- Ó capitão, as tuas peças são maricas! Só fazem paaff… paaff… paaff… Pum é para o 8,8!

Os militares dos obuses 8,8 cm não contiveram uma risada geral. Os militares das 7,5 cm ficaram em silêncio.


A Pedra Verde estava tomada.




O Pelotão artilheiro obuses 8,8 cm retira da Pedra Verde.





Sob forte cacimba, o pelotão artilheiro de obuses 8,8 cm retira da Pedra Verde. Alguns militares protegem-se com capas.




Um militar do pelotão artilheiro junto de uma cubata destruída; ao fundo, a Pedra Verde.



Um obus 8,8 cm no momento do tiro.


Obus 8,8 cm no momento do tiro.




Militares artilheiros na mata, próximo da Pedra Verde.



Militares artilheiros nas proximidades da Pedra Verde, que se vê em segundo plano.


Uma companhia de infantaria entra na mata, a caminho da Pedra Verde.




2 Comentários:

Às 4 de outubro de 2011 às 14:38 , Blogger AC disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
Às 4 de outubro de 2011 às 14:43 , Blogger AC disse...

Ótima reportagem, de escrita e de fotografias, a relembrar velhos tempos, em que, pondo de fora a situação, tínhamos menos 50anos...!
Um abraço do Calamote.

 

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